quinta-feira, 3 de julho de 2008

CUIDADOS NA REFORMULAÇÃO DA 395/1998

by Ivo Pugnaloni 3 comments

Geólogo Sevan Naves –
Diretor Presidente da TRITON ENERGIA
– Ex- Diretor do DNPM


A reformulação da Resolução ANEEL 395/1998, que regula a outorga das PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), deve conter um arcabouço legal que permita, ao mesmo tempo, ser justo e incentivador àqueles que realmente contribuem, tem competência e apetência, para aumentar e melhorar a oferta de energia, pela alternativa de PCH.
As novas regras devem ser equânimes, justas, contemporâneas e transparentes, tendo, por princípio basilar a busca do atendimento ao interesse público maior.

Isto sem criar novidades de laboratório que precisam ainda ser testadas e aprovadas em procedimentos empíricos, num limbo desconhecido da experimentação, que pode dar certo ou não.
Neste contexto, não é preciso ter inovações imaturas. A seleção, entre concorrentes à outorga do mesmo Sítio, deve deixar de ser pela sorte, em sorteio ou acirrar uma competição predatória, com duplicidade de gastos dos exíguos recursos humanos e financeiros.
Evitando-se isto, basta utilizar uma experiência exitosa de mais de 25 anos, em órgão similar a ANEEL – o DNPM- Departamento Nacional da Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia. É bom relembrar que a criação da ANEEL foi inspirada na autarquização do DNPM.
No DNPM (Art. 26 do Código de Mineração), uma área tornada livre por ato publicado é disponibilizada, durante 60 dias, a qualquer interessado, que, sob condições de comprovação de capacidade, se habilite. Somente em último caso é que se vai a sorteio.
Este experimentado mecanismo atenua a aleatoriedade ou o dirigismo.
Fazendo adequação, a norma deve estabelecer que, a partir da publicação da aprovação do Inventário Hidrelétrico, os sítios identificados são disponibilizados, por 60 dias, aos Empreendedores interessados se habilitarem.
Nesta habilitação, deve-se exigir a comprovação da capacidade empresarial em implantar uma PCH, que já foi antiga exigência formulada à época quando não haviam experiências relevantes na concepção e implantação de uma PCH.
Assim, deve-se contemplar, para evitar os indesejáveis aventureiros e especuladores, um processo seletivo que pondere os pretendentes que demonstrem suficiente capacidade empreendedora, financeira e operacional.
Inicialmente, é importante relembrar que as PCHs foram relegadas e inviáveis por mais de 50 anos no País. Só recentemente, quando, com a incapacidade de investimento governamental, o governo buscou atrair os empreendedores e investidores, criando atrativos incentivos a este relegado setor da geração limpa de eletricidade.
Praticamente se perdeu no tempo a inteligência conceptiva, elaborativa e implantadora da PCH no Brasil, embora seja uma das fontes de energia alternativas mais recomendadas internacionalmente.
A retomada das PCHs foi concomitante à recriação da inteligência perdida. Ai, o Empreendedor foi submetido a um esforço multiplicado.
É necessário, primeiramente, que haja uma boa compreensão dos agentes privados – o empreendedor e o investidor - que se forjaram nesta nova fase das PCHs, no Brasil.
O Empreendedor é o agente que está presente em todo o processo, desde a prospecção até a geração, podendo perder esforço financeiro e pessoal, se o Sítio hidrelétrico não se viabilizar. Não teme correr todos os riscos inerentes e os impostos pela inépcia e ingerência equivocada de agentes governamentais.
Já o Investidor só se atreve ou ousa a participar do Projeto quando os maiores riscos já foram ultrapassados e já existem parâmetros econométricos confiáveis.
Aí, nota-se uma grande diferença entre PCH e UHE. Na UHE, o risco é muito baixo, pois o Governo disponibiliza as informações hidrogeológicas básicas e a economicidade do Empreendimento. Já na PCH, o empreendedor tem que, por sua conta e risco, e o pior -acossado por concorrentes -, a identificar o sitio e, daí, levantar e formatar os parâmetros à viabilização do Empreendimento.
Nesta fase, dificilmente consegue parceria de algum investidor, para compartilhar o risco, que é enorme.
Deve-se lembrar que o conhecimento do potencial hidrogeológico e hidráulico brasileiro para PCHs, é ainda bastante precário, pois foco do governo foi só pelos grandes aproveitamentos hidrelétricos.
A ausência do conhecimento e informações básicas, além da concorrência, obriga o candidato a Empreendedor a conviver com uma componente que qualquer Investidor puro foge: o altíssimo risco.
Este situação eleva a base da TIR da PCH no Brasil, a patamares altos (chegam a ser duplicados em relação ao Chile, por exemplo), conforme recente Relatório do Banco Mundial reafirmado na palestra do Dr. Jerson Kelman, Diretor Geral da ANEEL, no mês de abril em Belo Horizonte.
Tais riscos estão basicamente na esfera dos agentes governamentais, que deveriam incentivar ao invés de entravar.
O empreendedor, então, é aquele que corre os riscos quando não se tem nenhum parâmetro econométrico formatado.
Sem ele ou bem enfraquecido, todavia, dificilmente haverá mais PCHs, pois todos os sítios viáveis dos Inventários atuais praticamente se esgotaram. Já o Investidor não arrisca e o Governo não tem verba para tais estudos.
Imaginar que apenas criando entraves ou condicionantes puramente financeiras irá atrair Investidores é uma tacada, que, no mínimo, ignora a realidade, o comportamento e a conjuntura do setor de energia alternativa brasileiro.
Portanto, deve-se incentivar os Empreendedores com expertise e demonstrada capacidade financeira e de empreender, para que se possa atrair Investidores, em parceria.
Desta forma, não se deve jogar com a sorte o interesse público, quando se estabelece o sorteio como único fator de seleção, sem criar prévia condicionantes de comprovação de capacidade.
Assim, esta proposta baseia-se fundamentalmente no princípio de justiça e de incentivo ao empreendedorismo. Antes que se faça o sorteio, os candidatos devem ser submetidos a comprovação de capacidade empreendedora.
É também importante discutir o fato de que a supressão sumária do critério da terra, na seleção prévia, é inoportuna e prejudicial, pois todo Empreendedor já assimilou tal exigência, que deve ser mais um item na seleção e não o único, como agora.
A terra em si dificilmente poderá ser considerada como reserva de mercado, por especuladores, pois a ANEEL dispõe de mecanismos suficientemente fortes e rígidos, para coibir abusos. Deve-se, sim, desconsiderar como único critério, sendo mais um, e, assim mesmo, restrito a área operacional do Empreendimento (barragem, casa de força, canais/túneis, subestação), inclusive, como Direito de Livre Dispor.
Além do mais, pode muito bem fazer com que o Empreendedor possa demonstrar sua capacidade em lidar com as questões sócio-econômicas da comunidade da área de influência direta.
A interação saudável e a relação positiva, em recomendação do Projeto Ambiental, com a comunidade é um quesito cada mais relevante e preponderante no processo operacional de sucesso na implantação de uma pequena central hidrelétrica.

Comments 3 comments
Anônimo disse...

Os cuidados nessa reformulação são muito preciosos mesmo.

Anônimo disse...

Não sei não...Acho que estão querendo alguma coisa não muito bem explicada com essa mudança.

Fabiano Assad disse...

Excelente texto, sem dúvida.
A distinção entre investidor e empreendedor é de extrema argúcia e pode ser empiricamente comprovada.
A análise acurada é de importância para o debate, vez que instiga o senso crítico e a observação da situação a partir de outros pontos.

Parabéns.

Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni
Engenheiro eletricista, ex-diretor da COPEL, atual diretor da ENERCONS Consultoria em Energia Ltda.
ivo@enercons.com.br

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