domingo, 13 de julho de 2008

CONVERSAS COM UM INVESTIDOR PREOCUPADO

by Ivo Pugnaloni 0 comments


Na sexta-feira à tarde, participei de uma teleconferência com o executivo de um grande grupo econômico e sua equipe. O conheci a quatro anos, quando eu ainda estava diretor de planejamento e distribuição da COPEL, em um seminário no Rio sobre o novo modelo do setor elétrico.

Ele perguntou se eu concordava em que trocássemos algumas opiniões sobre a “nova 395”. Sua maior preocupação era o fim da aprovação de projetos de PCHs pela ANEEL e sobre a eliminação do critério de titularidade das terras. Sobre o sorteio de potenciais hidráulicos ele disse que nem precisávamos conversar, pois ele concordava que era um completo absurdo e uma boa maneira de desacreditar a ANEEL.

Ele disse que achava boa a proposta de acabar com a aprovação de projetos porque quanto menos a ANEEL ficar na frente de uma autorização, mais rápido os projetos seriam aprovados e gerariam receita.

- “O problema Dr Ivo, é que o meu pessoal foi na audiência e alguns ficaram preocupados com o seu discurso. Lemos o discurso também no seu blog. Parece que ele mexeu com as certezas que o pessoal tinha antes de viajar e que tínhamos discutido superficialmente, sem questionar muito a posição que nos havia sido repassada.”

Aí ele perguntou se eu teria tempo para conversar, pois o ambiente regulatório dos países onde atuam é sempre um assunto muito importante para os acionistas. E pediu para eu resumir minhas preocupações.

Comecei dizendo que faz dez anos que o Brasil segue uma regra que bem ou mal vinha funcionando e que eu tinha muito receio dessas mudanças radicais, que deixam o mercado perdido , sem saber o que vai acontecer.

Disse que isso é um ambiente altamente prejudicial, que deixa os investidores inseguros e com isso “na mão” daqueles que com olho clínico e cara de profundo entendedor dos meandros da burocracia estatal, lhes aconselham colocar seus destinos em suas mãos...

Comentei que nos últimos quatro anos, a média de projetos aprovados pela ANEEL, com essa regra que hoje se quer mudar, tinha aumentado QUATRO VEZES, saltando de 200 MW/ano entre 1998 e 2002 para 800 MW/ano entre 2003 e 2007. E que os números eram do site da ANEEL ( página de Informações Gerenciais e gráficos acima)

Lembrei o risco do investidor comprar direitos de um inventário no qual, para ganhar, o projetista tenha incluído todo o potencial hidráulico possível, não importando as restrições e custos ambientais que estejam impactando parte do potencial inventariado.

Assim, poderá acontecer que o inventário tenha 100 MW, mas só 10 MW tenham viabilidade ambiental segura. O resto pode ser potencial de difícil aproveitamento, ou confusão na certa com o órgão ambiental. Lembrei a ele que as autoridades policiais tem estado muito atentas a “licenças ambientais frias” e que essa fase de “laisse faire”, na qual se pretende que a ANEEL não tenha mais nada a ver com qualquer coisa que não seja hidráulica, é coisa do passado.E que isso não vai acontecer porque a sociedade está muito atenta, muito vigilante, a imprensa é totalmente livre e ninguém vai conseguir sair da ANEEL com um projeto só com “aceite” e esperar resolver no “tapetão” do órgão ambiental o problema. Além do quê, no congresso nacional, muitos deputados e senadores estão ligados aos assuntos de energia e meio ambiente e não vão deixar passar assim, à sorrelfa, uma resolução tão importante e tão cheia de defeitos.

Disse também que sem levar em conta o conjunto de todas as partes definidoras de um projeto, como o impacto ambiental, os estudos de estabilidade e as investigações geotécnicas, o “projeto-resumo” poderia ser uma verdadeira bomba-relógio, que iria arrebentar depois que o investidor estivesse sozinho com ela no colo.

Falei também que essa posição da ANEEL soará como uma verdadeira provocação num momento em que a sociedade mundial e não só a brasileira discute até a saída da ministra Marina Silva.

Ele concordou, mas disse:

“Ah, mas esses outros trabalhos ambientais e de geotecnia eu posso fazer internamente, ou contratar fora, até mesmo com empresas como a ENERCONS. Não preciso que isso seja analisado pela ANEEL, no âmbito de um processo administrativo, com toda aquela burocracia e com só dez ou doze analistas para examinar 300 projetos pendentes como parece que está acontecendo hoje”.

Aí eu contei uns casos concretos para ele, todos documentados, mostrando que não é bem assim e que sem a perspectiva da obrigatoriedade de obter a chancela da agência reguladora para o projeto como um todo, a possibilidade do investidor gastar muito mais tempo e dinheiro é muito maior, pois os estudos “privados” nunca terão a mesma credibilidade do que os aprovados pela ANEEL e pelos órgãos ambientais.

E que isso irá prejudicar exatamente os investidores, principalmente na fase de construção, quando qualquer dia parado, custa uma verdadeira fortuna não só em dinheiro vivo, mas em termos da imagem de um grupo, principalmente se for de origem estrangeira.

Concordando, ele completou com uma referência ao valor dos ativos não-tangíveis como marca, tradição, etc.que poderiam sair manchados.

Eu falei que basta ler os jornais para ver que o Brasil está mudando e que projetos sem uma perfeita articulação com a questão ambiental enfrentarão cada vez maiores contestações não só judiciais como da imprensa e da sociedade.

Aliás, como já aconteceu a não tanto tempo atrás.

Falei que, do ponto de vista imediato, à primeira vista, a nova regulamentação na forma proposta, realmente seria ideal para empresas projetistas como a nossa, pois aumentaria o mercado de “análise e avaliação privada” de projetos e de sua “complementação” posterior, após aprovação pela ANEEL.

Mas falei que isso não seria bom a médio prazo, pois aumentaria muito o numero de conflitos com a população, com imprensa, com as promotorias de justiça e com os órgãos ambientais estaduais e com o IBAMA.

Lembrei a ele que graças a um trabalho muito bem feito por empresas petroleiras junto à mídia do mundo todo, as hidroelétricas tiveram sua imagem de fonte renovável bastante arranhada, exatamente pela falta de articulação com os órgãos ambientais, lembrando a ele o que aconteceu em Balbina e outras usinas onde existiu inundação de florestas nativas.

Mudamos para outro ponto polêmico e eles me questionaram porque eu defendia tanto os direitos dos proprietários de terra.

Um colega que conheci nos tempos da universidade, que trabalha há anos na empresa, brincou comigo falando perto do equipamento de teleconferência: “Nunca imaginei que ia ver logo o Ivo, lutador dos tempos do movimento estudantil, defendendo direitos de latifundiários que possuem terras na beira dos rios...”

Engoli em seco a provocação...

Lembrei a mim mesmo que a posição conformista daquele colega, no passado de trinta anos atrás era fruto da completa censura à imprensa que existia na época.

E que mesmo hoje, com toda a liberdade de imprensa, ainda existe muita gente com a mesma posição ou ainda pior , mais egoísta, insensível e socialmente atrasada que a dele...

Falei que eu defendia as hidroelétricas e não os proprietários de terra.

Querendo mais qualidade nos projetos eu estava defendendo os investidores também, pois são eles que compram os bons e os maus projetos.

Falei que não entendia porque razão os compradores de projeto, investidores, poderiam concordar e ainda defender que o órgão que lhes dava alguma garantia da qualidade do que eles compravam, ficasse livre de emitir sua aprovação.

Falei que se eu fosse grande investidor, não teria nenhuma razão para defender essa “nova 395”.

Muito pelo contrário!

Eu disse que não entendia como alguém que trabalha num grande investidor poderia defender que diminuíssem as exigências para algo que eu compro a peso de ouro, com ágio de 1000%, exatamente devido à falta de funcionários na ANEEL que é a mesma razão alegada para diminuir as exigências?

Ou seja: todos os consumidores pagam 0,5% a mais na fatura de energia para que a ANEEL tenha receita para exercer seu papel de controlar e regular o setor. Ela não usa todo esse dinheiro arrecadado ( seja lá por culpa de quem for). Isso faz com que ela não aprove os projetos com a velocidade necessária ao mercado. Com isso, acabam os projetos disponíveis para venda e o preço que minha empresa investidora tem que pagar vai para as nuvens. Aí, em vez de eu exigir mais funcionários para dar velocidade, eu passo a defender menos qualidade, para com os mesmos funcionários obter mais velocidade na aprovação e autorização.Esquecendo que só a autorização não basta e que mau autorizados os projetos demoram muito mais para começar a gerar...

Falei que ele ( o meu colega ) estava sendo preconceituosos e que proprietários também tem direito a serem também investidores, ou desenvolvedores de projetos.

E que eu não concordava com essa verdadeira campanha de “demonização” dos proprietários de terra, como sendo eles os culpados pela demora de autorização de PCHs.

Nem tampouco concordava com a “demonização” dos “especuladores”, que tanto são mencionados na Nota Técnica 107/08.

Disse também que, colocando apenas 12 analistas para aprovar 300 projetos, quem está fazendo os preços dos projetos subirem é a própria ANEEL. Pela lei da oferta e procura, se você restringe a aprovação dos projetos, você esvazia o mercado e faz os preços subirem.

E falei que estava concluindo um estudo muito superficial sobre o pessoal e os recursos de cada agencia reguladora, que ia mostrar para eles que o problema não é a Resolução 395/98 mas a falta de sua aplicação correta, por falta de gente para faze-lo dentro da ANEEL.

Falei ainda que muitos projetos com aceite e aprovados foram apresentados por proprietários de terra. E que eles também tem direito a desenvolver seus projetos, pois são cidadãos como qualquer outro.E que se suas terras sobem de preço em virtude da construção das usinas, isso é muito natural, próprio do capitalismo e da livre concorrência e não da “reserva de mercado”, como classifica a Nota Técnica 107/08 da ANEEL.

Lembrei que projetos apresentados por proprietários são os que menos problemas ambientais e sociais podem causar, pois já são elaborados com a preocupação de não agredirem tanto a região onde eles vivem ,vão à igreja, participam da comunidade, concorrem a cargos públicos ou em cooperativas.

Falei que, como projetista, sempre trabalhei muito bem com proprietários ( e parece que eles comigo...) porque a própria inserção deles na comunidade local já é um facilitador muito grande. Eles dão à sociedade local um tipo de “garantia” de que nenhuma grande bobagem será feita ,pois são conhecidos há décadas de suas famílias.

E concluí: “Pode ser bairrismo, sei lá, mas acho natural que alguém conhecido há décadas desperte mais confiança do que alguém que chegue de jatinho, caia de pára-quedas e venha construir uma usina a montante das casas onde moram empregados, vizinhos e a família da gente”.

A conversa esquentou, animada agora por velhas diferenças dos tempos de estudante...

Fiz menção também a que muitos investidores compraram projetos de proprietários de terra que os desenvolveram e que nunca ouvi falar que tivessem tido problemas.Ao contrário, quem comprou projetos de muitos que agora querem “agilizar” a ANEEL além de pagar muito caro, tiveram problemas ambientais e de geologia seríssimos, que aumentaram muito os custos de construção.

Já estávamos quase duas horas no telefone, quando o executivo, que pediu discrição sobre o contato, me pediu licença, pois tinha uma reunião agendada e pessoas já estavam esperando. Disse que eu tinha razão em estar preocupado com o futuro.
Deixei-o à vontade e ele perguntou se poderíamos conversar na próxima semana.

Eu disse que me interessaria muito conhecer e tentar esclarecer outras dúvidas dele. Ele agradeceu e disse que voltaria a ligar na próxima semana para marcar uma outra conferência ou mesmo uma reunião, pois estava entendendo melhor as minhas preocupações de médio e longo prazo quanto à sustentabilidade do negócio de PCHs.

- “O sr está preocupado mais na frente, dr Ivo e isso é muito válido. Vamos conversar mais.Vamos traçar alguns cenários com o nosso pessoal e nossos consultores externos e voltamos a conversar. Acho que o sr tem razão em muitas coisas que está prevendo e apontando.Nosso grupo tem uma tradição muito grande em geração em nossa matriz e é muito fiscalizado lá pelo que faz na América Latina e em outras partes do mundo com relação ao ambiente e à sociedade dos países onde atuamos.Isso é muito importante para nós.E se o avanço em termos de rapidez não for muito grande, realmente não vale a pena arriscar mudar uma regra que está funcionando e cair numa situação onde não existam mais nem as garantias que se tem hoje.”



Agradeci pela oportunidade de conversar com eles e antes de encerrar, tive o cuidado de perguntar se, mantendo todas as reservas quanto aos “nomes dos santos”, seria possível contar “o milagre” aqui no Blog, com o que ele concordou.

Após as despedidas de praxe e trocas de pedidos de desculpa com meu antigo colega pela rápida aspereza no diálogo, deixei mais legíveis as anotações que fiz durante a conversa.

Como ele consentiu, aqui está o resultado: uma boa conversa que partindo de pontos de vista diferentes, chegou a uma mesma conclusão, pois os bons negócios precisam ser sustentáveis ao longo do tempo e não apenas durante um ou dois anos, só para quem vendeu os projetos.E que não adianta por a culpa nas leis e regulamentos se o que falta são instituições estáveis e respeitadas para colocá-las em prática.

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Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni
Engenheiro eletricista, ex-diretor da COPEL, atual diretor da ENERCONS Consultoria em Energia Ltda.
ivo@enercons.com.br

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